“Ando devagar/ porque já tive
pressa/levo esse sorriso/
Porque já sofri /demais”
Almir Sater
Em abril de 2002 recebi uma
correspondência enviada pelo gabinete da Presidência da República me convidando
para instalação de um conselho da república intitulado CNPQ-Palmares, no palácio do Planalto por FHC.- 8
conselheiros a maioria doutores e negros (uma raridade). Destinado a implantar
ações afirmativas para a população negra e afrodescendente do País este
conselho iniciou toda a discussão sobre cotas
,começando pelo discurso do ex-presidente, ele mesmo um estudioso das
mazelas raciais do país durante seu doutorado.Nos debates fui contra as cotas
no Instituto Rio Branco do Itamarati. Explicava-se a urgência de se ter pelo
menos um diplomata afrodescendente pela vergonha passada pelo Itamaraty ao
enviar diplomatas brancos para a África do Sul de Mandela e sofrer reprimenda
do líder africano que conhecia bem o País. e pediu para enviar um negro que representasse 45% do extrato social
brasileiro Na verdade não tínhamos. A prova do IRB é duríssima e exige
estudos de pelo menos 2 línguas e só a elite branca
tinha acesso à esta formação. Argumentei
com meus pares que minha defesa de doutorado também foi duríssima e não
gostaria que tivesse sido por cotas, porque me seria retirado o mérito, e
acabava de retornar de uma viagem ao exterior para defende-la .Após muitas
discussões consegui convence-los a doar bolsas de estudo do CNPQ com valores de doutorado para estudantes
negros graduados para que pudessem se
preparar para o Itamarati.Um ano de pois uma médica negra como o saudoso
geógrafo Milton Santos ,foi aprovada . Conto essa história para defender a
minha opinião favorável às ações afirmativas em favor da comunidade negra desta
nação e contra medidas paternalistas que só reforçam o preconceito contra os
negros .Me lembro do prof. Milton Santos,que homenageei em vida quando diretor
do Sindicato de Engenheiros do estado de SP,como a personalidade do ano de
1989.No cafezinho ele dispara :Barreto estamos fazendo a recontagem dos últimos
negros na USP.Doente se referia ele à sua saída do conselho de professores
titulares da maior Academia do Pais . Meses depois faleceu e pude entender: O
outro negro entre os 400 era angolano naturalizado brasileiro e para vaga de Santos foi destacado outro branco. Numa de suas últimas
entrevistas ao jornalista Roberto Dávila na rede Cultura de SP,ele,Doutor
Honoris Causa nas principais Universidades do mundo,destilou amargura: Aqui no
Brasil sou obrigado a estar em lugares em que os negros nunca vão e sempre me
olham como se não devesse estar ali. Perfeita definição que só os
afrodescendentes vencedores sabem o que
significa. O Racismo mais cruel e dissimulado do mundo. Num país que foi
o último a abolir a escravatura, e olha até
hoje, pouco mais de 100anos depois ,os negros e seus descendentes como
pessoas de segunda classe. Escrevo este artigo em homenagem à secretária negra
barrada em uma boate em Uberlândia e que
foi à luta para denunciar este abuso ,que é apenas a ponta de um enorme iceberg
social. Parabéns!
José Carlos Nunes Barreto
Professor doutor
Debatef@debatef.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário