Em setembro, junto com a chegada da primavera,
percebi que, paradoxalmente, um inverno se pronunciava: outra crise na saúde
pública do País. E não se tratava de algo conjuntural, mas de um esgotamento do
modelo de geração de riqueza, que além de excluir e gerar desigualdades de todo
tipo, gera câncer. Simples: o modus operandis do ter e acumular riquezas para
as 20000 famílias que mandam no Brasil(de acordo com o IPEA), não respeita
limites naturais, quer sejam os ambientais ou sociais. E existe uma relação
biunívoca entre câncer e poluição, câncer e degradação ambiental, câncer e
grandes empreendimentos com baixa sustentabilidade sócio-ambiental. Mais uma
vez fica comprovado, que a parte mais frágil da sociedade brasileira paga o
preço do que Michael Lind cunhou de brazilinização: as mulheres negras e com
baixa escolaridade, são as que mais morrem por não conseguirem o diagnóstico a
tempo de se tratarem, em hospitais públicos, onde se leva até seis meses para
se conseguir uma biópsia, e até um ano para se fazer um tratamento, isto,
quando não são enganadas pela falta de equipamentos e profissionais treinados,
como protesta a Sociedade Brasileira de Mastologia.
Li os tópicos principais da dissertação
de mestrado sobre o assunto –“Sobrevida em cinco anos e fatores prognósticos em
mulheres com câncer de mama em Santa Catarina ”. Ela foi defendida pela
fisioterapeuta Joyce Ceola Schneider na UFSC- Universidade Federal de Santa
Catarina, e seus resultados decretam que, o diagnóstico de câncer para mulheres
jovens, não brancas e analfabetas, é uma condenação de morte em até 5 anos.
Na verdade o que é comum, onde se tem
uma saúde pública medianamente adequada, mesmo em países muito mais pobres que
o Brasil, é tratar o tumor na sua fase inicial, ou seja, menor que 1cm e com
chance em torno de 100% de cura. Ocorre que, devido às piores condições sociais
das pretas, pobres e analfabetas, há falta de acesso ao diagnóstico, à informação
correta e ao tratamento, pois só podem usar os hospitais públicos com suas
filas intermináveis, seu despreparo técnico e de pessoal, além do comum frio
descaso, com que são tratados os negros, pardos, e indígenas neste País.
Na
pesquisa de Schneider, que catalogou prontuários de 1002 mulheres com
informações abrangendo 5 anos, em 2 hospitais públicos, menos de 50% delas, com
idade inferior a 30 anos, sobreviveram após 5 anos.
Enquanto no mundo a mortalidade por
câncer de mama está diminuindo, no Brasil ela está aumentando, reclamam os
especialistas e ONGs envolvidas na ajuda a essa gente. Uma epidemia evitável se
formou entre nossas jovens não brancas, e um modelo que se esgota, tira vidas
preciosas que farão falta ao Brasil do futuro – aquele com uma sociedade
sustentável. Enquanto isso, o INCA-Instituto Nacional do câncer, estima que só neste
ano, 50 mil casos de tumores de mama vão aparecer. Um tsunami cancerígeno,
portanto, que atingirá milhares de famílias brasileiras. Não adianta pensar que
não é com a gente. Concluo pedindo mobilização social já! Porque talvez muito
perto de você, uma estrela negra pode se apagar para sempre.
José Carlos Nunes Barreto
Professor doutor
debatef@debatef.com.br
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