quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Na Casa do Pai



                                                  


“Meu pai perdi no tempo, e ganho em sonho./Se a noite me atribui poder de fuga,/sinto logo meu pai e nele ponho/o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.


Está morto, que  importa? Inda madruga/e seu rosto, nem triste nem risonho,/é o rosto, antigo, o mesmo. E não enxuga/suor algum, na calma de meu sonho.


Oh meu pai arquiteto e fazendeiro!/Faz cinzas de silêncio, e suas roças/de cinza estão maduras, orvalhadas.


por um rio que corre o tempo inteiro,/e corre além do tempo, enquanto as nossas/murcham num sopro fontes represadas.”



Este belo poema de Carlos Drumond de Andrade,  inspirou -me lembranças da infância e de meu pai- aliás por cauda dele parei pra pensar também, na figura um  pai e no que ela representa em nossa cultura judaico cristã. Vários exemplos bíblicos de amor de pai me sobrevieram: o próprio Deus no Eden após Adão e Eva se esconderem por descobrirem que estavam nus, matou uma ovelha e os vestiu ,como que de afeto e consideração, e  é notório o fato  das vestes estarem ligadas a reencontros com a autoridade do Pai. O filho pródigo ao retornar maltrapilho como estava ,recebeu de seu pai um”smooking” de festa juntamente com as celebrações dignas de um rei. José, filho de Jacó, antes de ser traído por seus irmãos, ter suas roupas rasgadas e ser vendido como escravo ao Egito, ganhou uma caríssima túnica de cores variadas de seu próprio pai, caracterizando na época que este  tinha um apreço especial por esse filho. Que ,íntegro, recusou a mulher de Potifar, mas usou os dons que Deus lhe dera para interpretar sonhos - o que fazia de bom grado para todos na prisão, motivo pelo qual foi indicado a Faraó. Quando o rei o chamou, tomou banho, se barbeou  e fez o que? Vestiu novas vestes, que o levaram até o governo do Egito( e aqui elas  significaram o início de um novo ciclo) após decifrar o famoso sonho de faraó: sete vacas feias e magras que engoliam sete vacas belas e gordas, sete anos de abundância que José usou para planejar e estocar alimentos a fim  atravessar sete anos de escassez, seca e fome no mundo de então. Um exemplo de gestão para governos brasileiros, lulopetistas ou não.


David também era o favorito do Pai, mas por ser filho ilegítimo            ,não estava à mesa quando o profeta Samuel procurou seu pai para cumprir a missão de ungir um novo rei para Israel. Estava no campo, com vestes de pastor de ovelhas, e saiu dali para vestir armaduras de guerreiro, além de púrpura e linhos finos, próprios para  um imperador.


Mas nem só de  belas e novas vestes se vive , e todos sabemos como faz bem um tênis já rodado e amaciado nos pés, mesmo quando se ganha um novo de presente, como lembrança de alguém de que se ama.


Daí, escuto e anoto uma velha canção do conjunto “Roupa nova” informando que “da água da fonte cansei de beber pra não envelhecer” e que “Talvez eu seja simplesmente como um sapato velho, mas ainda sirvo, se você me quiser.


Basta  você me calçar, que eu aqueço o frio de seus pés.” Puro afeto: como o alegre vestir   de um filho que nasce, ou com lágrimas, resignado,  o colocar do terno no pai já morto.


José Carlos Nunes Barreto


Professor Doutor e presidente da ALU-Academia de Letras de Uberlândia


debatef@debatef.com


 

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