“Meu pai perdi no
tempo, e ganho em sonho./Se a noite me atribui poder de fuga,/sinto logo meu
pai e nele ponho/o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.
Está morto, que importa? Inda madruga/e seu rosto, nem triste
nem risonho,/é o rosto, antigo, o mesmo. E não enxuga/suor algum, na calma de
meu sonho.
Oh meu pai arquiteto
e fazendeiro!/Faz cinzas de silêncio, e suas roças/de cinza estão maduras, orvalhadas.
por um rio que corre
o tempo inteiro,/e corre além do tempo, enquanto as nossas/murcham num sopro
fontes represadas.”
Este belo poema de
Carlos Drumond de Andrade, inspirou -me
lembranças da infância e de meu pai- aliás por cauda dele parei pra pensar
também, na figura um pai e no que ela
representa em nossa cultura judaico cristã. Vários exemplos bíblicos de amor de
pai me sobrevieram: o próprio Deus no Eden após Adão e Eva se esconderem por
descobrirem que estavam nus, matou uma ovelha e os vestiu ,como que de afeto e
consideração, e é notório o fato das vestes estarem ligadas a reencontros com
a autoridade do Pai. O filho pródigo ao retornar maltrapilho como estava
,recebeu de seu pai um”smooking” de festa juntamente com as celebrações dignas
de um rei. José, filho de Jacó, antes de ser traído por seus irmãos, ter suas
roupas rasgadas e ser vendido como escravo ao Egito, ganhou uma caríssima
túnica de cores variadas de seu próprio pai, caracterizando na época que este tinha um apreço especial por esse filho. Que
,íntegro, recusou a mulher de Potifar, mas usou os dons que Deus lhe dera para
interpretar sonhos - o que fazia de bom grado para todos na prisão, motivo pelo
qual foi indicado a Faraó. Quando o rei o chamou, tomou banho, se barbeou e fez o que? Vestiu novas vestes, que o
levaram até o governo do Egito( e aqui elas
significaram o início de um novo ciclo) após decifrar o famoso sonho de
faraó: sete vacas feias e magras que engoliam sete vacas belas e gordas, sete
anos de abundância que José usou para planejar e estocar alimentos a fim atravessar sete anos de escassez, seca e fome
no mundo de então. Um exemplo de gestão para governos brasileiros, lulopetistas
ou não.
David também era o
favorito do Pai, mas por ser filho ilegítimo ,não
estava à mesa quando o profeta Samuel procurou seu pai para cumprir a missão de
ungir um novo rei para Israel. Estava no campo, com vestes de pastor de
ovelhas, e saiu dali para vestir armaduras de guerreiro, além de púrpura e
linhos finos, próprios para um
imperador.
Mas nem só de belas e novas vestes se vive , e todos sabemos
como faz bem um tênis já rodado e amaciado nos pés, mesmo quando se ganha um
novo de presente, como lembrança de alguém de que se ama.
Daí, escuto e anoto
uma velha canção do conjunto “Roupa nova” informando que “da água da fonte cansei
de beber pra não envelhecer” e que “Talvez eu seja simplesmente como um sapato
velho, mas ainda sirvo, se você me quiser.
Basta você me calçar, que eu aqueço o frio de seus
pés.” Puro afeto: como o alegre vestir
de um filho que nasce, ou com lágrimas, resignado, o colocar do terno no pai já morto.
José Carlos Nunes
Barreto
Professor Doutor e
presidente da ALU-Academia de Letras de Uberlândia
debatef@debatef.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário