terça-feira, 26 de abril de 2016

No vale de ossos secos



“Olha/ será que é estrela/ Será que é mentira/ será que é comédia/ será que é divina/ a vida de atriz/ .../ se os pagantes lhe pedirem bis/ .../ se eu pudesse entrar na sua   vida”. Do nosso cancioneiro popular

Li dias desses, de novo, a definição de entusiasmo: na etimologia do grego, é ter Deus dento de você. E nem sempre isso significa sucesso. Jacó teve entusiasmo mesmo com o corpo coberto de feridas. Mandela passou vinte anos preso por acreditar em um conceito divino: a igualdade entre os homens. Mesmo em masmorras, as frestas de sol irradiavam em sua alma, a liberdade. Tantos heróis nos ensinaram. E é hora de exercitarmos as lições. A censura do poder executivo federal chegou a vários órgãos de imprensa nacional. O endividamento e a dependência econômica construíram a subserviência. Entrevistas compradas. Notas para conspurcar governos e pessoas. Silêncios reveladores. Ordens diretas do Ministério de comunicação calam colunistas. E nomes famosos como o âncora da Record. No âmbito municipal, colunas são excluídas por criticarem ações na área de saúde e a falta de transparência com o dinheiro público. A ditadura do pensamento único já está aí. Stalin, Hitler, Mao tsetung e Fidel Castro, fazem escola. Muitos se perderam no caminho. Milhões pagaram com a vida por cometerem o delito de opinião.  Antes disso, todavia, apagaram a chama interior da indignação. Ou se quedaram na indiferença a que o apóstolo Paulo cunhou como morna, “nem fria nem quente, por isso a vomitarei”. Hoje é nauseante também ver a intelligentsia nacional, ora se calar, ora vender suas consciências ao governo de turno. Para que serve um intelectual assim?

Na classe artística, pessoas antes comprometidas com a ética na política, agora relativizam princípios. E valores. Termos chulos e mal cheirosos são utilizados para definir a real politik. Lamentável. Estamos ainda vivos e cercados por um vale de ossos secos. Como ainda ter entusiasmo? Contudo me socorro em dois paradigmas. Na classe artística, o manifesto divulgado na internet, pela cantora mineira de Juiz de Fora, Ana Carolina, da canção em epígrafe, quando diz que aprendeu desde pequena com seus pais a não matar, não roubar. Devolver o lápis que não era seu. Pedir desculpas ao colega depois de uma falha qualquer. E a não se conformar com os atuais escândalos da república. Aprendendo, com o olhar marejado, a vislumbrar frestas de luz, na sociedade. O outro paradigma eu leio em Ezequiel 37. O profeta estava como muitos de nós. Sem entusiasmo. Tudo cinza em volta. Só ele vivo. No meio de um vale de ossos secos. Deus ordenou que profetizasse para aqueles ossos secos. E ele obedeceu. Teve fé. E logo em seguida as escrituras relatam que os ossos começaram a se levantar, nervos foram criados, carnes, sobre os ossos, e o sopro do espírito fez surgir um exército exuberante, excelente e pronto para as batalhas que se impunham.

Talvez você não creia no sobrenatural, sequer no intangível. Mas aprenda com numa canção de Geraldo Vandré - que em 1968 sacudiu um regime ditatorial do Brasil com seu verso: “Esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

José Carlos Nunes Barreto
Professor doutor

debatef@debafef.com 

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