Ano passado, em outubro, escrevi
sobre o impacto que até hoje nos afronta, da sombra de 400 anos de escravidão. Citei
o professor Adalberto Cardoso, do IUPRJ, que revisitava a história social do
trabalho na Nação, em publicação intitulada “Escravidão e sociabilidade
capitalista: um ensaio sobre inércia social”. A ocasião da comemoração do mês
da consciência negra me faz voltar ao tema, e peço licença ao leitor amigo para
tecer alguns comentários amadurecidos desde então, na posição de ascendente nascido
após a libertação formal da escravidão - já que a informal persiste sob a forma
de baixa escolaridade e, além disso, na baixa qualidade de vida em meio a
esgotos - pois a esmagadora maioria das cidades brasileiras sobrenada sobre
eles - onde os mais desfavorecidos adoecem por doenças evitáveis e vinculadas
por este ambiente.
Não é difícil, para os afro-brasileiros,
constatarem as conclusões do artigo citado, quais sejam, vivemos numa
hierarquia social de grande rigidez caracterizando um “aphartheid tupiniquim”, e
a dificuldade de que gerações sucessivas tiveram, e ainda tem, para se livrar
deste paradigma, que contribui para uma imagem depreciativa do povo, cuja autoestima
está melhorando, mas as realidades dos números no censo de 2010, não nos deixa
sonhar. Eles mostram novamente uma sofrida áfrica sob os descendentes de anglo
saxões e ibéricos, onde os salários dos negros e pardos são em média 50%
menores, e a escolaridade é bem menor, sem perspectivas de mudança deste quadro
nos próximos 30 anos, a não ser que façamos uma revolução educacional e
sanitária neste país. Enfim, a realidade nos mostra que a pobreza brasileira
tem cor: ela é negra, e faltam líderes negros no Brasil para enfrentar esta realidade
e a esterilização de consciências desta maioria - que consiste em formatar a
pior escravidão possível em tempos modernos qual seja a permanência na exclusão
digital (em plena primavera árabe) e na dependência de “beber” o cálice
venenoso da informação postada por cerca de 20 famílias brancas da elite
brasileira, que escolhem o que essa massa vai saber ou não, nos “jornais
nacionais” da vida.
Nos anos 50, os capitais
liberados pelo café, financiaram a consolidação do capitalismo. Observou-se um
mercado de trabalho desigual, caracterizado pela lenta incorporação dos negros
e seus descendentes, apesar da distante ordem escravocrata. Atualmente alguns
traços de violência, absorvidos ao longo do tempo pela sociedade do trabalho
brasileira, cunham o termo “escravos modernos”, no cenário em que “senhores” mantêm
coletividades inteiras de escravos, e nossos fiscais do trabalho “ousam”
libertar tais vítimas da escravidão, que hoje também são brancas.
Muita gente, inclusive este autor (mea
culpa), critica as ações diferenciadas para negros - por exemplo, as cotas nas
universidades, todavia, este povo merece uma reparação, da mesma forma como
acontece após longas guerras onde crimes são cometidos. E o maior crime
perpetrado contra a comunidade negra foi e continua sendo sua ausência
compulsória em escolas sejam elas básicas, de ensino médio ou na universidade. Por
isso minha dedicatória no e-book de doutoramento, disponível em www.teses.usp.br: “À comunidade negra do
Brasil, pelo espírito de luta contra o maior período de escravidão jamais
visto: da senzala à exclusão social e ausência compulsória na Universidade
Pública do País”.
José Carlos Nunes Barreto
Professor doutor
debatef@debatef.com.br
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