quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Comida e Remédio

“Outros olhos/ e armadilhas [...]” - cancioneiro popular

 No tempo de nossas avós ninguém comprava tanto remédio em farmácias. Vão dizer que elas morriam mais cedo. É verdade, mas os motivos eram outros. Normalmente a quase total falta de saneamento (que persiste em parte até hoje) e o ainda pouco conhecimento da fisiologia humana por parte dos médicos. O fato é que muitas soluções farmacológicas estavam no terreiro de casa, do chá de quebra pedra para os rins, aos efeitos do limão china no tratamento do resfriado. Não que se queira a volta daqueles tempos heróicos. Mas um pouco de reflexão nunca é demais. Tomar remédios que amanhã criarão dependência ou outras doenças, é se meter em conto de Kafka, e é esta a realidade de muitos aposentados no Brasil. Às vezes o dinheiro da aposentadoria nem dá para comprar a lista solicitada pelo médico.
Ainda bem que médicos conscientes dessa realidade, começam a repensar esse impacto social da farmacologia. E a desconfiar das ofertas insistentes de laboratórios para uso de “amostras grátis” e “ajuda” em congressos científicos. As despesas com propaganda nos EUA equivalem em um ano, ao dobro do que se gasta com pesquisa, ou seja, na produção de novos medicamentos. Estudo americano usando informações de duas empresas que armazenam dados de venda e movimentação financeira de laboratórios farmacêuticos descobriram que as companhias gastaram 57,5 bilhões de dólares em propaganda. E eles explicam que aí estão incluídas as despesas com distribuição de amostras grátis para pacientes, ações diretas com médicos – como pagamento de propagandistas passagens e brindes-publicidade em revistas especializadas e patrocínio de congressos. Enquanto isso, para o desenvolvimento de novas drogas no mesmo período os laboratórios gastaram o equivalente a 31,5 bilhões de dólares, segundo artigo publicado na revista científica Public Library of Science Medicine, em 2004.
Ninguém assume no Brasil algo parecido aos valores apresentados pela indústria farmacêutica americana, mas guardadas as devidas proporções, sabe-se que eles são tão caros quanto, e isso explica os altos preços desses medicamentos, para uma população velha e doente, cuja maioria ganha salário mínimo. Um absurdo que poderia ser evitado, pelo uso parcial dos princípios ativos de nossas ervas medicinais que estão cada vez mais esquecidas, e pelo uso medicinal da boa alimentação, já que somos o que comemos. Mas cuidado, mesmo aí existem armadilhas. Por exemplo, acabo de orientar uma aluna de especialização, numa monografia sobre o risco de se comer Açaí e contrair a doença de Chagas, em virtude da falta de higiene e da precariedade do produto em sua origem. A total falta de rastreabilidade, ou seja, a falta de condições para assegurar a garantia de qualidade do seu processamento na cadeia de valor desde a origem, explica o fenômeno. E Açaí é um símbolo de uma alimentação rica em cálcio, fibras, vitaminas B1, B2 e desoxidantes sendo, portanto um perfeito receituário para saúde e longevidade. O mesmo acontece com produtos alimentícios de alto valor, vendidos em lojas de grife como “natural” quando, na verdade, o que rendem são sérias contaminações aos incautos. Infelizmente, sem boas práticas de fabricação, a comida é um remédio que pode se tornar veneno.

José Carlos Nunes Barreto
Professor doutor

debatef@debatef.com

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