“Outros olhos/ e armadilhas [...]” - cancioneiro
popular
No
tempo de nossas avós ninguém comprava tanto remédio em farmácias. Vão dizer que
elas morriam mais cedo. É verdade, mas os motivos eram outros. Normalmente a quase
total falta de saneamento (que persiste em parte até hoje) e o ainda pouco
conhecimento da fisiologia humana por parte dos médicos. O fato é que muitas
soluções farmacológicas estavam no terreiro de casa, do chá de quebra pedra
para os rins, aos efeitos do limão china no tratamento do resfriado. Não que se
queira a volta daqueles tempos heróicos. Mas um pouco de reflexão nunca é
demais. Tomar remédios que amanhã criarão dependência ou outras doenças, é se
meter em conto de Kafka, e é esta a realidade de muitos aposentados no Brasil. Às
vezes o dinheiro da aposentadoria nem dá para comprar a lista solicitada pelo
médico.
Ainda bem que médicos conscientes dessa
realidade, começam a repensar esse impacto social da farmacologia. E a
desconfiar das ofertas insistentes de laboratórios para uso de “amostras
grátis” e “ajuda” em congressos científicos. As despesas com propaganda nos EUA
equivalem em um ano, ao dobro do que se gasta com pesquisa, ou seja, na
produção de novos medicamentos. Estudo americano usando informações de duas
empresas que armazenam dados de venda e movimentação financeira de laboratórios
farmacêuticos descobriram que as companhias gastaram 57,5 bilhões de dólares em propaganda. E eles
explicam que aí estão incluídas as despesas com distribuição de amostras grátis
para pacientes, ações diretas com médicos – como pagamento de propagandistas passagens
e brindes-publicidade em revistas especializadas e patrocínio de congressos. Enquanto
isso, para o desenvolvimento de novas drogas no mesmo período os laboratórios
gastaram o equivalente a 31,5 bilhões de dólares, segundo artigo publicado na
revista científica Public Library of
Science Medicine, em 2004.
Ninguém assume no Brasil algo parecido aos
valores apresentados pela indústria farmacêutica americana, mas guardadas as
devidas proporções, sabe-se que eles são tão caros quanto, e isso explica os
altos preços desses medicamentos, para uma população velha e doente, cuja
maioria ganha salário mínimo. Um absurdo que poderia ser evitado, pelo uso
parcial dos princípios ativos de nossas ervas medicinais que estão cada vez
mais esquecidas, e pelo uso medicinal da boa alimentação, já que somos o que
comemos. Mas cuidado, mesmo aí existem armadilhas. Por exemplo, acabo de
orientar uma aluna de especialização, numa monografia sobre o risco de se comer
Açaí e contrair a doença de Chagas, em virtude da falta de higiene e da precariedade
do produto em sua origem. A total falta de rastreabilidade, ou seja, a falta de
condições para assegurar a garantia de qualidade do seu processamento na cadeia
de valor desde a origem, explica o fenômeno. E Açaí é um símbolo de uma
alimentação rica em cálcio, fibras, vitaminas B1, B2 e desoxidantes sendo,
portanto um perfeito receituário para saúde e longevidade. O mesmo acontece com
produtos alimentícios de alto valor, vendidos em lojas de grife como “natural” quando,
na verdade, o que rendem são sérias contaminações aos incautos. Infelizmente,
sem boas práticas de fabricação, a comida é um remédio que pode se tornar
veneno.
José Carlos Nunes Barreto
Professor doutor
debatef@debatef.com
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