Blog do Consultor e Professor de Graduação e Pós Graduação José Carlos Nunes Barreto
terça-feira, 13 de setembro de 2016
A sedimentação tóxica na Baixada Santista
José Carlos Nunes Barreto via Portal Banas Qualidade
A busca do desenvolvimento sustentado, ou seja, a prática de atividades produtivas (quer na indústria e comércio, quer nos serviços) sem degradar o meio ambiente, e sem comprometer a capacidade das futuras gerações de responder às suas necessidades, tem se constituído em um desafio em todo o mundo civilizado. A preocupação com a sua preservação, em termos mundiais, não se restringe mais ao simples controle da poluição industrial. A tutela jurídica do meio ambiente já é uma exigência mundial, estando presente nas constituições de vários países e nos acordos multilaterais de cooperação internacional.
Esses acordos visam identificar e implementar as soluções eficazes para problemas ambientais e globais, reduzindo, assim, a possibilidade de que essas soluções sejam afetadas por diferentes forças econômicas e políticas dos países desenvolvidos - apesar de revezes como a não-assinatura do tratado de redução de emissões de gases nocivos na atmosfera, pelos norte americanos, em Kyoto, no Japão. Os acordos internacionais de comércio são outra forma de se tratar a proteção ao meio ambiente. Neles, o instrumento básico é a sanção comercial aos não integrantes e aos signatários faltosos, podendo levar a um novo tipo de protecionismo: o ecoprotecionismo. O potencial de disputa entre meio ambiente e comércio já lhe garantiu presença nas agendas da OMC, Nafta, MCE, APEC e Mercosul (PARIZOTO, 1995 apud BARRETO, 2000).
Diversas medidas estão sendo adotadas no sentido de harmonizar regulamentos e padrões de produtos, impedindo assim, conflitos entre regras diferentes. Entre elas estão: a instituição do Selo Ecológico Comunitário pelo Conselho das Comunidades Européias; a proposta diretiva sobre embalagens e seus resíduos implementada por alguns países - membros da União Européia (UE); as medidas fitosanitárias relativas ao comércio de carne bovina, notadamente após a doença da "vaca louca"; o sistema europeu de ecogestão e auditoria, destinado à certificação de bom desempenho ambiental de plantas industriais; e a International Organization for Standardization com a norma ISO 14000, que padronizou mundialmente os conceitos de gestão ambiental (PARIZOTO, 1995 apud BARRETO, 2000).
Em Cubatão, onde está implantado o maior pólo sídero-petroquímico do País, onde operam dezenas de empresas que produzem do aço à gasolina de aviação, passando por uma série de produtos químicos, a degradação ambiental acontece com poluição do ar, do solo e da água. As condições ecológicas sui generis favorecem os altos índices de poluição do município, o que leva à destruição da fauna e da flora, causando danos à saúde da população da Baixada Santista, conforme atestam ações do órgão controlador do meio ambiente do Estado: a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Também existem estudos e teses realizados na área, notadamente na siderúrgica, que é responsável pela maior carga tóxica lançada no estuário da Baixada Santista (PROSPERI, 1997 apud BARRETO, 2000).
Na dissertação de mestrado que defendi na Faculdade de Saúde Pública da USP em 1995, intitulada Caracterização de toxicidade de efluentes de siderúrgica utilizando bioensaios com microorganismos foi mostrado que, além de tóxico, o descarte líquido da siderúrgica possui sólidos sedimentáveis com atividade mutagênica, que sedimentam ao longo do canal do estuário (da mesma forma que outras indústrias também colaboram com o processo de sedimentação tóxica). Nesse estuário está localizado o maior porto da América Latina, com elevado trânsito de navios com calados cada vez maiores, e impactos ambientais diários ao revolver o lodo do fundo do canal. Isso é potencializado todas as vezes que a operadora do porto de Santos draga o canal e retira o sedimento, considerado pela NBR 10004 (ABNT, 1987), em alguns pontos, como de classe 1 (o mais tóxico). Esse material precisa ser disposto de forma adequada, ou seja, em aterros industriais ou incinerado.
Mas como fazê-lo se milhares de metros cúbicos de lodo são retirados, e este trabalho dura seis meses, a cada dois anos? É um desafio técnico pelo qual outros países já passaram e, portanto, por meio da técnica de benchmarking poderemos copiá-los e providenciar uma tecnologia para operar dragagens sem revolver o que pode intoxicar os seres vivos, nem dispor no mar inadequadamente resíduo tóxico exportando poluição na primeira corrente marítima que passar.
Por outro lado, é necessário estancar já o acúmulo de sedimentos tóxicos. Para tanto, propus uma matriz de qualidade ambiental às indústrias de Cubatão, na tese de doutorado que defendi na Faculdade de Saúde Pública da USP, em 2000, intitulada As Ferramentas da Qualidade e seu Uso no Gerenciamento Ambiental no Pólo Sídero-Petroquímico de Cubatão. Se essa metodologia for usada, a médio e longo prazo deve acabar com a seqüência dos Termos de Ajustes de Conduta (TACs) com a Cetesb que, muitas vezes, não são cumpridos.
Ao fazer com que as empresas providenciem Sistemas de Gerenciamento Ambiental, com Equipamentos BDAT (Melhor Tecnologia Disponível no Mercado), minimização de resíduos na fonte, melhoria contínua no processo, além do desenvolvimento de sensibilidades técnica, social, histórica e simbólica, estas empresas ousariam ao comunicar à sociedade a visão de um produto sustentável oriundo de Cubatão, através desta estratégia ambiental. O Ministério Público Federal e o de São Paulo convidaram-me para compor, com pesquisadores e professores de várias universidades, uma força tarefa para assessorá-los, com laudos e estudos, na difícil tarefa de caracterizar as responsabilidades das indústrias de Cubatão com base na lei de crimes ambientais, já que praticamente está paralisada a dragagem de um dos maiores portos do mundo. Ele é responsável pelo maior movimento da balança comercial brasileira, e está sendo prejudicado pela poluição de terceiros, já que alguns navios de alto calado só passam no canal na maré cheia e passam praticamente arrastando o fundo no canal do estuário, revolvendo substâncias comprovadamente tóxicas e impactando o meio ambiente, com todas conseqüências deletérias à vida.
José Carlos Nunes Barreto é professor doutor dos cursos de Engenharia Ambiental na ESAMC e da pós-graduação da UNIUBE (MG) na área de riscos ambientais, e Eng. de segurança. É sócio-diretor da Debatef Consultores Associados - debatef@debatef.com
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