segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O Racismo Estrutural

“Eu era uma pessoa com dignidade e respeito próprio, e não deveria me considerar pior que qualquer outra pessoa , só porque era negra” (Rosa Parks) Em abril de 2002, após retornar de uma viagem de estudos à Universidade de Jiao Tong em Xangai na China, recebi uma correspondência enviada pelo gabinete da Presidência da República, me convidando para instalação de um conselho da república intitulado CNPQ - Palmares, que seria no palácio do Planalto, comandada por FHC. A única vez que entrei lá... Tomei posse, juntamente com outros 7 conselheiros, a maioria doutores e negros (uma raridade). O Objetivo do mesmo, seria implantar ações afirmativas para a população negra, e afrodescendente do País. Este conselho, iniciou toda a discussão sobre cotas, começando pelo discurso do ex-presidente, ele mesmo um estudioso das mazelas raciais do País, durante seu doutorado (embora hoje discorde dele em quase tudo, pelo menos deu espaço à ciência no seu governo). Nos debates, fui contra as pretendidas cotas no Instituto Rio Branco do Itamarati. Explicava-se a urgência, de se ter pelo menos um diplomata afrodescendente, pela vergonha passada pelo Itamaraty, ao enviar diplomatas brancos para a África do Sul de Mandela, e sofrer reprimenda do líder africano, que conhecia bem o País, e após devolvê-los, pediu para enviar um afrodescendente, que representasse mais de 50% do extrato social brasileiro. Na verdade não tínhamos... A prova do IRB-Instituto Rio Branco, é duríssima e exige estudos de pelo menos 2 línguas, e , até hoje, só a elite branca tem acesso à esta formação. Argumentei com meus pares que, minha defesa de doutorado também foi duríssima, e não gostaria que tivesse sido por cotas, porque me teria retirado o mérito, e acabara de retornar de uma viagem ao exterior para defende-la, com um artigo .Após muitas discussões, decidimos doar bolsas de estudo do CNPQ com valores de doutorado, para estudantes negros e afrodescendentes graduados, para que pudessem se preparar para o Itamarati....Um ano depois, uma médica negra, como o saudoso geógrafo Milton Santos ,foi aprovada e enviada à África do Sul . Conto de novo essa história, para defender a minha opinião favorável às ações afirmativas, e em favor da comunidade negra desta nação, e contra medidas paternalistas, que só reforçam o preconceito contra os negros, mesmo sendo intelectuais. Me lembro do prof. Milton Santos, que homenageei em vida, quando diretor do Sindicato de Engenheiros do estado de SP, como a personalidade do ano de 1989. No cafezinho ele dispara: Barreto, estamos fazendo a recontagem dos últimos negros na USP...Já com a doença em estado avançado, ele se referia e à sua saída do conselho de professores titulares da maior Academia do País, e da América latina... Meses depois faleceu, e pude entender: O outro negro entre os 400 do conselho, era angolano naturalizado brasileiro, e para vaga de Santos, foi destacado outro branco (espero que, hoje a USP tenha melhorado a representatividade dos negros, neste conselho). Numa de suas últimas entrevistas ao jornalista Roberto Dávila, na rede Cultura de SP, o sábio mestre, Doutor Honoris Causa nas principais Universidades do mundo, destilou amargura: Aqui no Brasil, sou obrigado a estar em lugares em que os negros nunca vão, e sempre me olham como se não devesse estar ali... Perfeita definição, que só os afrodescendentes vencedores, sabem o que significa: O racismo estrutural mais cruel e dissimulado do mundo. Num país que foi o último a abolir a escravatura, e olha até hoje, pouco mais de 100anos depois, negros e seus descendentes, como pessoas de segunda classe. Escrevo este artigo em homenagem à uma secretária negra, barrada em uma boate em Uberlândia, e que foi à luta, para denunciar este abuso , que é apenas a ponta do nosso constrangedor e enorme, iceberg social. Parabéns! José Carlos Nunes Barreto Pós - doutor e sócio da DEBATEF Consultoria